Possuímos o cânon das Escrituras “graças à Igreja Católica”?


cânon-bíblico

A Igreja produziu alguns textos padrões , como por exemplo a Vulgata Latina do 4º século. Sendo esta mesma compilada a partir de manuscritos da Tanakha ( V.T em hebraico) e da Hexapla, produzida por Orígenes de Alexandria, que viveu no 2º século, antes do surgimento da chamada Igreja Católica. Contudo, há milhares de outros textos tanto completos como fragmentários que não passaram pelas mãos da Igreja Católica. Textos Coptas do Egito, siríacos, eslavos, góticos, etíopes e armênios, texto em aramaico do Novo Testamento e mss em hebraico e grego. Todos estes, por fim perfazendo mais de 24.000 manuscritos espalhados ao redor do mundo. Só em latim há mais de 10.000 manuscritos do 2º ao 16º século, principalmente do Novo Testamento.  Podemos citar o Códice de Alepo, que é um texto padrão baseado em cópias milenares feitas por Judeus e não por cristãos. O Códice de Alepo tem uma longa história de consultas pelas autoridades rabínicas e não católicas. Estudos modernos demonstram uma exata representação dos princípios massoréticos que podem ser encontrados em todo o manuscrito, contendo pouquíssimos erros entre os milhões dos detalhes ortográficos que compõem o texto massorético. Isto se deu graças a tradicional transmissão textual judaica, que contavam todas as letras, palavras, capítulos e versículos (perek e pasuk) ao copiarem o texto sagrado.

Certa Enciclopédia diz que “Clemente, bispo de Roma, estava familiarizado com a carta de Paulo à igreja em Corinto. Depois dele, as cartas tanto de Inácio, bispo de Antioquia, como de Policarpo, bispo de Esmirna, atestam a disseminação das cartas paulinas por volta da segunda década do 2.° século”. (The International Standard Bible Encyclopedia [A Enciclopédia Bíblica Padrão Internacional], editada por G. W. Bromiley, 1979, Vol. 1, p. 603) (GRIFO É MEU)

 

Todos estes eram escritores antigos — Clemente de Roma (30?-100? EC), Policarpo (69?-155? EC) e Inácio de Antioquia (fim do 1.° e começo do 2.° século EC) — que intercalaram citações e trechos de diversos livros das Escrituras Gregas Cristãs, mostrando que conheciam esses escritos canônicos. Justino, o Mártir (morreu c. 165 EC), no seu “Diálogo com o Judeu Trífão” (XLIX), usou a expressão “está escrito” ao citar Mateus, do mesmo modo como fazem os próprios Evangelhos ao se referirem às Escrituras Hebraicas.

Falando ainda sobre os livros do chamado “Velho Testamento” o historiador judaico Josefo, respondendo a opositores na sua obra Against Apion (Contra Apião, I, 38-40 [8]), por volta do ano 100 EC, confirma que até então o cânon das Escrituras Hebraicas há muito já estava estabelecido. Ele escreveu:

“Não possuímos miríades de livros incoerentes, em conflito uns com os outros. Nossos livros, aqueles que são corretamente acreditados, são apenas dois e vinte,* e contêm o registro de todos os tempos. Dentre estes, cinco são os livros de Moisés, abrangendo as leis e a história tradicional desde o nascimento do homem até a morte do legislador. . . . Desde a morte de Moisés até Artaxerxes, que sucedeu a Xerxes como rei da Pérsia, os profetas depois de Moisés escreveram a história dos eventos dos seus próprios tempos em treze livros. Os quatro livros remanescentes contêm hinos a Deus e preceitos para a conduta da vida humana.”

*Por combinarem e rearranjarem estes mesmos 39 livros numa ordem diferente, os judeus contavam apenas 24 ou 22 livros, e, segundo o seu cânon tradicional, agrupavam-nos do seguinte modo: Primeiro, havia a Lei (hebr.: Toh·ráh), também chamada de Pentateuco, consistindo em (1) Gênesis, (2) Êxodo, (3) Levítico, (4) Números e (5) Deuteronômio. (Veja PENTATEUCO.) Em segundo lugar vinham osProfetas (hebr.: Nevi·ʼím), divididos em os “Profetas Anteriores”, (6) Josué, (7) Juízes, (8) Samuel (Primeiro e Segundo, juntos como um só livro), (9) Reis (Primeiro e Segundo, como um só livro), e os “Profetas Posteriores”, subdivididos em Profetas “Maiores”, (10) Isaías, (11) Jeremias e (12) Ezequiel, e (13) Doze Profetas “Menores” (num único livro composto de Oséias, Joel, Amós, Obadias, Jonas, Miquéias, Naum, Habacuque, Sofonias, Ageu, Zacarias e Malaquias). A terceira seção era chamada deEscritos Sagrados (Hagiógrafos, ou, em hebraico, Kethu·vím), começando com (14) Salmos, (15) Provérbios e (16) Jó; daí vinham os “Cinco Meguiloth” ou cinco rolos separados, a saber, (17) O Cântico de Salomão, (18) Rute, (19) Lamentações, (20) Eclesiastes e (21) Ester, seguidos por (22) Daniel, (23) Esdras-Neemias (juntos) e (24) Crônicas (Primeiro e Segundo, juntos como um só livro). O livro de Rute era às vezes anexado a Juízes, e Lamentações a Jeremias, para perfazer 22 livros, total correspondente ao número de letras no alfabeto hebraico, embora este não seja hoje o costumeiro arranjo nas Bíblias hebraicas.
 
Uma clara evidência de que a Igreja Católica não deve ser considerada a “detentora” do cânon é o o fragmento descoberto por L. A. Muratori, na biblioteca Ambrosiana, em Milão, Itália, e publicado por ele em 1740.
Muratorian_Fragment
O Fragmento Muratoriano, # que está em latim, data da última parte do segundo século EC ( ano 170 E.C) +. É um documento muito interessante, conforme a seguinte tradução parcial mostra: 
 
“O terceiro livro do Evangelho é o segundo Lucas. Lucas, o bem conhecido médico, o escreveu em seu próprio nome . . . O quarto livro dos Evangelhos é o de João, um dos discípulos. . . . E assim, para a fé dos crentes, não há discórdia, ainda que sejam dadas diferentes coletâneas dos fatos em cada livro dos Evangelhos, visto que em todos [eles], sob o único Espírito orientador, têm sido declaradas as coisas relacionadas com o seu nascimento, paixão, ressurreição, conversas com seus discípulos, duplo advento, o primeiro na humilhação procedente do desprezo, que ocorreu, e o segundo na glória do poder régio, que ainda há de vir. Que maravilha é, então, se João menciona de modo tão coerente nas suas epístolas estas várias coisas, dizendo em pessoa: ‘o que temos visto com os nossos olhos, e ouvido com os nossos ouvidos, e as nossas mãos têm apalpado, estas coisas temos escrito’. Pois assim, professa ser não apenas testemunha ocular, mas também ouvinte e narrador de todas as coisas maravilhosas do Senhor, na sua ordem. Além disso, os atos de todos os apóstolos estão escritos num único livro. Lucas [assim] os incluiu para o excelentíssimo Teófilo . . . Já as epístolas de Paulo, o que são, de onde ou por que razão foram enviadas, elas próprias tornam claro àquele que estiver disposto a entender. Em primeiro lugar, ele escreveu detalhadamente aos coríntios para proibir a introdução do cisma da heresia, depois escreveu aos gálatas [contra a] circuncisão, e aos romanos sobre a ordem das Escrituras, indicando também que Cristo é o principal assunto nelas — sendo necessário considerarmos cada qual delas, entendendo que o próprio bendito apóstolo Paulo, seguindo o exemplo de seu predecessor, João, escreve a não mais do que sete igrejas por nome, na seguinte ordem: aos coríntios (primeiro), aos efésios (segundo), aos filipenses (terceiro), aos colossenses (quarto), aos gálatas (quinto), aos tessalonicenses (sexto), aos romanos (sétimo). Mas, apesar de escrever aos coríntios e aos tessalonicenses duas vezes, visando correção, indica-se que há uma única igreja espalhada por toda a terra [?i.e., por este escrito sétuplo]; e também por João no Apocalipse, embora escreva a sete igrejas, fala todavia a todas. [Ele escreveu], porém, uma por afeição e amor a Filêmon, uma a Tito e duas a Timóteo; [e estas] são consideradas sagradas na honrosa estima da Igreja. . . . Adicionalmente, conta-se uma epístola de Judas e duas que levam o nome de João . . . Recebemos os apocalipses apenas de João e de Pedro, estes [últimos] alguns de nós não desejamos que fossem lidos na igreja.” — The New Schaff-Herzog Encyclopedia of Religious Knowledge, 1956, Vol. VIII, página 56
 
Esta mesma obra prossegue dizendo:
 
 “O Novo Testamento é considerado como definitivamente composto dos quatro Evangelhos, dos Atos, das treze epístolas de Paulo, do Apocalipse de João, provavelmente de três epístolas suas, de Judas e provavelmente de I Pedro, ao passo que a oposição a outros escritos de Pedro não estava ainda silenciada.”
Sendo assim, do ponto de vista deste escrito antiquíssimo e anterior à Igreja, há quase que uma unanimidade quanto a que livros são canônicos e inspirados em comparação com os que temos hoje. Isto descarta a teoria da Igreja Católica como sendo a detentora do cânon.
 
 Para um entendimento detalhado sobre o canon das Escrituras Sagradas LEIA ESTE ARTIGO
Uma forte evidência de que a Igreja Católica não tem nada a ver com o cânone da Bíblia Sagrada pode ser visto na “gafe apócrifa” desta Igreja no artigo abaixo:

Por que o livro de Macabeus não é inspirado nem canônico


The Muratorian CanonDebate sobre o Fragmento Muratoriano

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