Carregou Jesus um “patibulum” ou uma “estaca” sob a qual foi suspenso? PARTE II

Ao estudar os textos antigos que empregam em latim a palavra crux e em grego staurós, apresento neste artigo a proposta de continuação de uma investigação científica que ao invés de trazer anacronisticamente o relato da morte de Jesus aos textos antigos, examinará tais textos como se fossem totalmente dissociados, evitando o erro de se ler nestes a morte de Jesus. Somente assim podemos compreender a terminologia contemporânea àqueles dias. O objetivo deve ser o de recriar um quadro do evento mencionado com base nos próprios textos e não a partir do entendimento tradicional.

Qual a Conclusão de Eruditos ?

Justus Lipsius

Precursor na investigação da cruz, Lipsius (1547-1606) dedicou-se a responder basicamente as perguntas: O que foi a cruz, como se parecia e entre outras abordagens, quando foi usada como objeto de execução. Ao lidar com algumas formas raras de execução (modus rarus), Lipsius afirma que a punição por patibulum e a furca não são tão fáceis de definir. Imaginem os senhores que homens como Lipsius, August Zestermann, Herman Fulda e Gunnar Samuelsson dedicaram cada um deles, muitos anos pesquisando a fim de recriarem o exato objeto chamado cruz, usado para execução na antiguidade.

Atualmente, alguns pesquisadores precipitados movidos por uma birra teológica renunciam ao dever de um pesquisador imparcial, que pesquisa diretamente nas fontes durante muitos anos, fazem uma pesquisa seletiva e se atrevem a questionar conclusões de eruditos dedicados. Eruditos estes, que leram e anotaram todos os dias textos em diversos idiomas e de diversos autores, num verdadeiro garimpo. Não iam para seus centros de pesquisa motivados por antagonismo religioso daqueles que não usam a cruz, mas com o objetivo de saberem a verdade sobre o que exatamente era este objeto, levantando cedo todos os dias prostrando-se durante horas de investigação sobre este assunto. Ainda assim, muitos se acham no direito de criticarem acadêmicos dedicados! Percebi isso em um FÓRUM on line, onde o senhor Samuelsson logou, apenas para convidar os leitores a visitarem sua página na internet. Borbulhou evangélicos sabixões e sabedores demasiadamente otimistas tentando lhe ensinar! Interessante, que estes precipitados se alicerçam em textos seletivos e adulterados por eles mesmos, como vimos na primeira parte de nossa consideração. Eu afirmo de consciência tranquila que li e examinei textos antigos desde Homero, até o 1º século E.C para tirar conclusões pessoais. Lembro-me de ficar um mês inteiro lendo textos em grego arcaico todos os dias de modo exaustivo, peneirando os termos mencionados na introdução de nosso primeiro artigo. Depois de ficar estudando até mais de 10 horas por dia, anotando e traduzindo para o português, fui percebendo que a percepção mais correta sobre o assunto é de fato observada apenas por aqueles que se dedicam com seriedade ao assunto. Os amantes da tradição não buscam a exatidão e a verdade, mas presos em conceitos tradicionais, pesquisam a fim de blindar o que aprenderam, independentemente se o que acreditam é falso ou não.

Falando ainda sobre pesquisadores sérios como Justus Lipsius, este sugere que a furca era um instrumento em forma de forquilha colocado sobre o pescoço de um condenado que era conduzido até o local de execução numa crux, que podia ser de diversos formatos, inclusive uma viga.

A furca é mencionada em escritos antigos como sendo a forquilha que segura um telhado, também os assentos em um grande auditório, redes de pesca. Neste link verá uma usada a 2000 anos atrás. (Plin. 14.2, § 32; para redes de pesca, id. 9, 8. 9, § 31) Os antigos historiadores a chamavam de furca de pescar.furca;forcis Fica evidente que se não fosse uma forquilha não poderia ser usado o termo “furca”. Este era mais específico. Portanto o argumento de uma cruz interpretado nos escritos de Plautus não passa de um equívoco. (Plaut. Mil. 359-60)

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Segundo Lipsius, o método de execução variava em diversos casos. Ele se baseou nos relatos de Livy, Plauto e Suetônio. Em algumas passagens Lipsius se refere a cruz como se referindo a um poste simples. (De Cruce, 57)

Lipsius preferiu se deter em textos dos chamados Pais da Igreja ao invés de se focar em escritos pré cristãos.

Segundo ele a palavra grega staurós era a equivalente de crux em latim.

Ele entende que os verbos (άνα)σταυρούν, (άνα)σκολοπίζειν, προσηλοΰν e κρεμαν estão todos mais ou menos relacionados com a crucificação. Em DE LANDTSHEER, “Justus Lipsius’ De Cruce,” nas páginas 18-27 fala sobre a  pesquisa de Lipsius em apresentar o formato da crux. Parece claro que os termos crux simplex e crux compacta, foram inventados por Lipsius. Uma vez que não se encontra em textos antigos frases como crux simplex ou crux compacta, crux immissa entre outros termos. Fica evidente que tais termos foram termos descritivos posteriores arranjados por Justus Lipsius. O fato é que crux não raro se referia a uma viga ou poste. Fosse qual fosse o formato do instrumento de suspensão, este era chamado crux.

Segundo Lipsius, as vítimas era amarradas na crux (affixio) ou empaladas nela (infixio). (LIPSIUS, De Cruce, 1 5 Ibid, 20-21.) Em sua opinião, a crux compacta era mais completa e envolveria uma armação que era algo mais do que um simples poste. Poderia ser uma crux decussata (em forma de X) ou commissa ( em forma de T) ou crux immissa (  ). Para provar seu ponto ele cita então vários Pais da Igreja. O problema em citar fontes posteriores reside no fato mencionado por Paulo e outros apóstolos a respeito da grande apostasia que surgiria após a morte do último dos apóstolos.(Atos 20:30  apostasia ) Em De Cruce, nas páginas 45-47 Lipsius menciona a discussão entre os Pais da Igreja a respeito da “quinta extremidade da crux” que está situada no meio da cruz. (quintum,quern in media cruce collocant, vbi lignum transuersum scindit transitq ). Nesta discussão, a extremidade referida poderia muito bem ser o sedile, um dispositivo de assento fixado na crux. *

* (BLINZLER, Der Prozeß Jesu, 360; HENGEL, Crucificação, 30; HENGEL e SCHWEMER,Jesus und das Judentum, 612; O’COLLINS, “Crucificação,” 1209; SCHNEIDER, “σταυρός,”573; TZAFERIS, “The Archaeological Evidence for Crucifixion,” 99).

Lipsius termina suas abordagens admirando-se de como Constantino chegou ao ponto de transformar a cruz em um objeto de salvação.

Muitos dos termos ou a nomenclatura empregada hoje no estudo da Teologia Crucis provém de Justus Lipsius. É evidente que a Teologia Eclesiástica dos Pais da Igreja pode ter ofuscado a objetividade da análise de Lipsius. De forma que sua dependência de autores posteriores, muitos deles já profundamente envolvidos com a predita grande apostasia , pode ser um aviso aos estudiosos. A implicação disto é a necessidade de uma avaliação mais científica baseada em autores mais antigos, que viveram no tempo de Cristo ou antes.

Fazer o sinal da Cruz – Costume Pagão, segundo historiador

Segundo o historiador Alexander Hislop, Tammuz era intimamente associado com a misteriosa religião da antiga Babilônia onde se praticava a adoração de Ninrode, Semiramis e seu filho ilegítimo, Horus. A forma original da letra babilônica T era, idêntica a cruz usada hoje pelos professos cristãos. Referindo-se ao Sinal de Tammuz, Hislop escreveu:

“Aquele TAU místico era marcado por ocasião do batismo nas testas dos iniciados nos mistérios…

as vestes das virgens da Roma pagã suspensas sobre seus colares, como usam as freiras hoje…dificilmente se encontra uma tribo pagã onde não se tenha usado a cruz…o Sinal da Cruz, um sinal indisputável proveniente de Tammuz, o falso Messias, era encontrado em todo lugar e apenas o substituiu”(The Two Babylons, 1959, p. 198-199, 204-205; O DESTAQUE É NOSSO)

JOHN DENHAM PARSONS

John Denham Parsons foi um escritor Inglês, membro da Sociedade para Pesquisa Física. Ficou muito conhecido quando começou a publicar artigos falando sobre o uso da cruz em tempos pré cristãos, inclusive o notável registro de que os antigos Persas faziam o sinal da cruz na testa de seus co adoradores do Deus Sol.

Em sua obra Nosso Deus Sol ou Cristianismo Antes de Cristo, publicada em 1895, Parsons menciona que “Constantino era adorador do Deus Sol Apolo”. Em seu artigo “A Cruz não Cristã”, ele afirma que muito antes de Cristo a cruz era usada na adoração desde a antiguidade e era chamada de “simbolo da vida”. Questiona logo no início de sua obra a conveniência de se afirmar que Jesus foi pendurado numa cruz que se tornou posteriormente um “símbolo da vida” da Cristandade. Segundo ele “assim como uma vara pode ser em formato de uma muleta mas uma muleta não é necessariamente uma vara”  um staurós “não é necessariamente uma cruz”. Cita então Odisséia e Ilíada para afirmar que staurós era apenas um poste. (Iliad, xxiv. 453; Odyssey, xiv. 11) “era assim empregada por todos os clássicos Gregos antigos” diz ele. (Thuc. iv. 90; Xen. An. v. 2, 21.) E Parsons prossegue dizendo:

Até mesmo na idade média tardia, parecia ter o significado primário de uma viga de madeira sem barra transversal. Pois o famoso lexicógrafo grego Suidas [que viveu no século X] declara expressamente: “Stauroi; ortha perpégota xula,”  e tanto Eustatius como também Hesychius afirmam que um staurós se referia a uma estaca ou poste“.

O lexicógrafo Suidas (ou Suda em Português),  apresenta a palavra crux no plural CRUCES em seu texto em latim (século X)  como sendo a tradução de stauroi e se refere a esta como sendo um “poste reto” ou ortha xula. Garimpei durante muito tempo em léxicos e páginas até que por fim encontrei seu texto, o qual reproduzo aqui juntamente com a fonte onde poderá confirmar o entendimento antigo do que realmente era staurós.

 
Suidas Léxico STAURÓS upright stakeNWTDEFENDED
 

A parte que destaquei pode ser encontrada no 3º Volume de sua Obra neste link. (Léxico de Suda em três Volumes, Cambridge, 1705; Texto Grego E Latim Vol 1  Vol 2  Vol 3 ) .  Uma tradução dessa frase grega seria:

Stauroi. Tá ortha pepegota xula  Cruz. O poste reto onde se prende

Parsons afirma que nos 27 livros do N.T não há nenhuma palavra que transmita a ideia de Jesus ter sido pendurado em um objeto cruciforme. Cita que a letra grega Χ (chi) poderia ter sido empregada. Afirma que os escritores inspirados sequer usaram alguma descrição de uma cruz tal qual na palavra  Katà chiasmon (igual uma cruz) uma frase grega que descreveria o formato tradicionalmente referido pela Cristandade.

De qualquer modo a honestidade exige que não devemos mais traduzir como "cruz ",
 uma palavra que, no tempo em que nosso Evangelho foi escrito não significava
 necessariamente algo com formato cruciforme. E compete-nos igualmente, 
do ponto de vista moral ,deixar de verter por " crucificar " 
ou "crucificados "palavras que jamais tiveram este significado. - JOHN D. PARSONS

Realmente, muitos teólogos do clero, cristãos professos, e portanto homens que deveriam agir com honestidade, traduzem a palavra grega  προσπήγνυμι prospēgnumi em Atos 2:23 como “crucificaste”.  O sentido etimológico não é este. Refere-se simplesmente a “prender, afixar”. De fato muitos dos ensinos peculiares da Cristandade são desta forma,  “introduzidos sorrateiramente” no texto da própria Bíblia.

Vejamos agora a mais recente pesquisa exaustiva sobre a cruz feita por um erudito evangélico respeitável.

Gunnar Samuelsson

Gunnar Samuelsson

A recente pesquisa de Gunnar Samuelsson é sem dúvida uma abordagem superior sobre este assunto. Este faz uma review da pesquisa feita por vários eruditos e amplia o entendimento, em vista  de tanta informação publicada. Não faz uma simples coleta de informações sobre staurós e crux, mas uma abalizada revisão seguida de conclusões ponderadas. Muito diferente dos irresponsáveis que fazem uma coleta seletiva e adulterada de textos antigos. A motivação deve ser não a teológica mas a apuração científica. Quando digo científica, quero dizer que se deve recorrer a ferramentas da metodologia* erudita nas áreas de filologia e semântica.

* O método científico refere-se a diversas regras básicas de como deve ser o procedimento a fim de produzir conhecimento dito científico, quer seja este um novo conhecimento, quer seja este fruto de uma totalidade, correção (evolução) ou um aumento da área de incidência de conhecimentos anteriormente existentes. Na maioria das disciplinas científicas consiste em juntar evidências empíricas verificáveis  – baseadas na observação sistemática e controlada, geralmente resultantes de experiências ou pesquisa de campo – e analisá-las com o uso da lógica. Para muitos autores o método científico nada mais é do que a lógica aplicada à ciência.

Gunnar Samuelsson escolheu diversos autores desde Homero como por exemplo Esopo (em grego Αἴσωπος) escritor da Grécia antiga a quem são atribuídas várias fábulas populares. Nada em seus escritos em grego da era arcaica, sugere o uso de um instrumento cruciforme, muito embora ele tenha escrito sobre suspensões. Samuelsson faz uma avaliação aprofundada da Era Clássica e de textos de filósofos da Era Clássica. Conclui que termos recorrentes ao se falar de suspensões, tais como άνασταυροΰν “suspender em uma estaca” ou
άνασκολοπίζειν “pendurar em estaca pontuda” de σκόλοψ “estaca pontiaguda”, e προσηλοϋν  “prender rápido com pregos em” não significam “crucificar” como o vertem diversas traduções modernas para o inglês e outros idiomas. É devido a erros grosseiros com estes, que muitos historiadores afirmam e juram de pé juntos, que “crucificações eram comuns nos dias da antiga Roma”. Samuelsson escreve muito sobre sua avaliação de textos do gênero tragédia, comédia e fala dos escritos de  outros oradores da Era Clássica, considerados Historiadores Gregos da Era Helenística, Historiadores da era Romana, literatura em latim e Primitiva Literatura Judaica. Crucifixion in Antiquity. Em todos estes, jamais encontrou evidência alguma de que staurós fosse encarado como sendo especificamente um objeto cruciforme. Um dos historiadores por ele analisado meticulosamente foi Heródoto.

Historiadores da Era Clássica

Herodotus de Halicarnassus stauros_Hérodote

Imagem ao lado: Busto de Heródoto, cópia romana do século II,
no Stoa de Átalo, Atenas

Heródoto (em grego, Ἡρόδοτος) foi um geógrafo e historiador grego, nascido no século V a.C. (485?–420 a.C.) em Halicarnasso (hoje Bodrum, na Turquia). Em seus escritos foca-se principalmente nas hostilidades entre Gregos e não Gregos especialmente nos Persas. Parece que ele oferece informação de segunda mão visto que não presenciou pessoalmente tais conflitos. Seus conhecimentos geográficos revelam porém, que ele viajou grande parte do mundo conhecido. Em todos os escritos de Heródoto, exceto dois (7.33.1 e 9.120.4[par. 9.122.1]), encontramos os verbos άνασταυροϋν ou άνα-σκολοπίζειν. Hengel cita passagens como 3.125.3 e 6.30.1 atribuindo a tais como sendo relatos de “crucificações”, todavia Heródoto emprega άνασταυροϋν (“suspender em uma estaca”) e fala de suspensões de corpos. Algumas páginas depois de suas observações, Hengel afirma que tais passagens não se referem a crucificações “no sentido estrito”. (HENGEL, Crucifixion, página 24.) Gunnar Samuelsson apresenta este lapso de objetividade como evidência de que o texto não fala de crucificação de forma alguma. (Crucifixo na Antiguidade, página 42). O que Hengel descreve como a mais detalhada descrição de crucificação emprega porém, o verbo προσπασσαλεύειν  derivado de πάσσαλος (pregar). Não transmite uma ideia de objeto cruciforme. Antes, a ideia presente na terminologia infere apenas a suspensão em um objeto de execução onde a vítima é “pregada” com pregos ou algo semelhante. Este é o verbo usado por Heródoto ao descrever o destino do Satrapa Persa Artayctes (7.33.1 and 9.120.4).

ταῦτα ὑπισχόμενος τὸν στρατηγὸν Ξάνθιππον οὐκ ἔπειθε· οἱ γὰρ Ἐλαιούσιοι τῷ Πρωτεσίλεῳ τιμωρέοντες ἐδέοντό μιν καταχρησθῆναι, καὶ αὐτοῦ τοῦ στρατηγοῦ ταύτῃ νόος ἔφερε. ἀπαγαγόντες δὲ αὐτὸν ἐς τὴν Ξέρξης ἔζευξετὸν πόρον, οἱ δὲ λέγουσι ἐπὶ τὸν κολωνὸν τὸν ὑπὲρ Μαδύτου πόλιος, πρὸς σανίδας προσπασσαλεύσαντες ἀνεκρέμασαν· τὸν δὲ παῖδα ἐν ὀφθαλμοῖσι τοῦ Ἀρταΰκτεω κατέλευσαν.

“Mas Xanthippus o general não se comoveu com essa promessa, pois o povo de Elaeus desejavam que Artayctes deveria ser condenado à morte em vingança por causa de Protesilaus, e o próprio general estava assim inclinado. Então eles levaram Artayctes para o promontório onde Xerxes tinha feito uma ponte no estreito (ou, por outra história, a da colina acima da cidade de Madytus), e ali pregaram tábuas e o enforcaram. Quanto ao seu filho, eles o apedrejaram até a morte diante dos olhos de seu pai”. Heródoto, História, 9.120.

Heródoto empregou staurós ao falar sobre estacas provenientes de árvores retiradas do Monte Pangaion, na Grécia(foto). Prasia lake,lago,plutarcoEm sua narrativa onde faz uso do recurso da descrição, Heródoto indica que staurous eram, não cruzes ou armações de madeira, mas  estacas sob as quais eram erguidas casas no Lago Prasias no norte da Grécia. Reproduzo aqui também o texto e sua respectiva tradução.

οἱ δὲ περί τε Πάγγαιον ὄρος καὶ Δόβηρας καὶ Ἀγριᾶνας καὶ Ὀδομάντους1καὶ αὐτὴντὴν λίμνην τὴν Πρασιάδα οὐκ ἐχειρώθησαν ἀρχὴν ὑπὸ Μεγαβάζου: ἐπειρήθη δὲ καὶτοὺς ἐν τῇ λίμνῃ κατοικημένους ἐξαιρέειν ὧδε. ἴκρια ἐπὶ σταυρῶν ὑψηλῶνἐζευγμένα ἐν μέσῃ ἕστηκε τῇ λίμνῃ, ἔσοδον ἐκ τῆς ἠπείρου στεινὴν ἔχοντα μιῇγεφύρῃ. [2] τοὺς δὲ σταυροὺς τοὺς ὑπεστεῶτας τοῖσι ἰκρίοισι τὸ μέν κου ἀρχαῖονἔστησαν κοινῇ πάντες οἱ πολιῆται, μετὰ δὲ νόμῳ χρεώμενοι ἱστᾶσι τοιῷδε:κομίζοντες ἐξ ὄρεος τῷ οὔνομα ἐστὶ Ὄρβηλος, κατὰ γυναῖκα ἑκάστην ὁ γαμέων τρεῖς σταυροὺς ὑπίστησι: ἄγεται δὲ ἕκαστος συχνὰς γυναῖκας. [3] οἰκέουσι δὲτοιοῦτον τρόπον, κρατέων ἕκαστος ἐπὶ τῶν ἰκρίων καλύβης τε ἐν τῇ διαιτᾶται καὶθύρης καταπακτῆς διὰ τῶν ἰκρίων κάτω φερούσης ἐς τὴν λίμνην. τὰ δὲ νήπια παιδίαδέουσι τοῦ ποδὸς σπάρτῳ, μὴ κατακυλισθῇ δειμαίνοντες. [4] τοῖσι δὲ ἵπποισι καὶτοῖσι ὑποζυγίοισι παρέχουσι χόρτον ἰχθῦς: τῶν δὲ πλῆθος ἐστὶ τοσοῦτο ὥστε, ὅταντὴν θύρην τὴν καταπακτὴν ἀνακλίνῃ, κατιεῖ σχοίνῳ σπυρίδα κεινὴν ἐς τὴν λίμνην,καὶ οὐ πολλόν τινα χρόνον ἐπισχὼν ἀνασπᾷ πλήρεα ἰχθύων. τῶν δὲ ἰχθύων ἐστὶγένεα δύο, τοὺς καλέουσι πάπρακάς τε καὶ τίλωνας.

σταυρῶν,Heródoto
“Residências sob estacas (staurous)” semelhantes as mencionada por Heródoto.

mas os que habitam ao redor do monte Pangaion e ao redor dos Doberianos,  Agrianos e Odomantianos e o próprio lago Prasias, não foram conquistados de forma alguma por Megabazos. No entanto, ele tentou remover até mesmo aqueles que viviam no lago e que tinham suas residências da seguinte forma: -uma plataforma montada junta e repousando sob altas estacas (σταυρῶν) no meio da água do lago, com uma passagem estreita para ela de terra por uma única ponte. As estacas (σταυρος) que sustentavam a plataforma foram, sem dúvida, originalmente montadas ali por todos os membros da comunidade que trabalham juntos, mas desde então eles continuam a montá-las observando essa regra, ou seja, todo homem que se casa traz da montanha chamada Orbelos três estacas (σταυρος) para cada mulher e colocam-nas como suportes; e cada homem toma para si muitas mulheres. E eles têm sua habitação dessa maneira em que cada homem tem a posse de uma cabana em cima da plataforma em que vive e de um alçapão levando através da plataforma até o lago, e seus bebês eles amarram com uma corda pelo pé, por medo de que eles possam cair na água. Para seus cavalos e bestas de carga dão peixe como forragem; e de peixes é tão grande a quantidade que se um homem abrir o alçapão e deixar para baixo uma cesta vazia por uma corda para dentro do lago, depois de esperar um tempo bastante curto, ele ergue-o de novo cheio de peixes. Dos peixes, existem dois tipos, e eles os chamam paprax e tilon“.

 άνασταυροϋν nos Escritos de Heródoto

Ao falar da morte do tirano Polycrates de Samos pelas mãos do Sátrapa Persa Oroetes, Herótodo emprega pela primeira vez o verbo άνασταυροϋν. Narra o acontecimento da seguinte forma em Hdt. 3.125.3:

άποκτείνας δέ μιν ουκ άξίως άπηγήσιος Όροίτης άνεσταύρωσε“.

“Tendo o entregue à morte de uma forma que não é nem apropriado mencionar, Oroetes o pendurou“.

Não se menciona que tipo de suspensão foi usada, fosse essa uma “crucificação” ou “empalamento”. Sequer descreve  uma execução. A Vítima já estava morta, sendo portanto uma suspensão post-mortem. E é sempre desta forma que os textos de Heródoto se refere ao que Kuhn e Hengel não raro descreve como “crucificações” quando na verdade não se pode afirmar que instrumento exatamente se usava em tais execuções. Pouco depois Heródoto emprega άνακρεμαννύνα  em Hdt. 3.125.4 ao falar da morte do tirano Polycrates:

Πολυκράτης δέ άνακρεμάμενος έπετέλεε πασαν την όψιν της θυγατρός

“Polycrates sendo suspenso cumpriu todo o o sonho da filha”.

Quem não conhece a história dos espartanos e do exército de Xerxes? Heródoto conta-nos muito a respeito das guerras daquele tempo e em seu 7º livro. Ao falar da famosa batalha ocorrida na estreita planície costeira de Termópilas ele emprega άνασταυροϋν e άνακρεμαννύναιEspartanos (1)A Batalha das Termópilas foi travada no contexto da Segunda Guerra Médica entre uma aliança de pólis gregas liderada pelo Rei Leônidas de Esparta e o Império persa de Xerxes I. Só que, diferente do que é mostrado no filme “300”, dirigido por Jack Snyder e adaptado da graphic novell homônima concebida por Frank Miller e Lynn Varley, Esparta não resistiu apenas com 300 homens. ( Os 300 que eram 4000) A batalha durou três dias e se desenrolou no desfiladeiro das Termópilas (‘Portões Quentes’) em agosto ou setembro de 480 A.E.C

O Capitão Persa Sandoces é mencionado por Heródoto :

Hdt. 7.194.1-3. τον δή πρότερον τούτων βασιλεύς Δαρείος έπ’ αιτίη τοιηδε
λαβών άνεσταύρωσε έόντα των βασιληίων δικαστέων ό Σανδώκης έπι χρήμασι
άδικον δίκην έδίκασε. άνακρεμασθέντος ων αυτού λογιζόμενος ό Δαρείος εύρε οί
πλέω αγαθά των αμαρτημάτων πεποιημένα ές οίκον τον βασιλήιον εύρων δε τούτο ό
Δαρείος και γνούς, ώς ταχύτερα αυτός ή σοφώτερα έργασάμενος εϊη, έλυσε, βασιλέα
μεν δή Δαρειον ούτω διαφυγών μη άπολέσθαι περιήν.

“Sendo um dos juízes reais, o Rei Dario prendeu Sandoces algum tempo antes e o suspendeu [άνεσταύρωσε] devido a seguinte acusação: Sandoces tinha realizado um julgamento injusto por uma propina.Quando ele tinha sido suspenso [άνακρεμασθέντος], Dario achou que as boas coisas feitas à casa real por ele suplantou as ofensas. Dario percebeu isso e compreendeu que ele tinha agido mais com precipitação do que com sabedoria, e libertou[ Sandoces]. Assim, escapou da destruição às mãos de Dario e ainda estava vivo”.

Uma vez que neste relato fala-se de Sandoces como sobrevivendo, entende-se que os verbos empregados não se referem a um empalamento, mas a um tipo de suspensão. Ainda assim, não se pode afirmar que os verbos empregados por Heródoto refere-se a atual “crucificação” em vista do uso subsequente que ele faz deste mesmo verbo ao falar da selvageria dos Taurianos:

Hdt. 4.103.1-2. θύουσι μεν τη Παρθένω τούς τε ναυηγούς, και τούς αν λά-
βωσι Ελλήνων έπαναχθέντες, τρόπω τοιφδε* καταρξάμενοι ροπάλω παίουσι την κεφαλήν,
οί μεν δή λέγουσι, ώς τό σώμα άπό τού κρημνού ώθέουσι κάτω (έπι γαρ κρημνού
ιδρυται τό ίρόν), τήν δε κεφαλήν άνασταυροΰσι. Cf. 7.238.ι.

“Eles sacrificam à [deusa] virgem desastres de navios e qualquer Grego que capturam em suas incursões,nesta guerra:Depois dos primeiros ritos, acertam a cabeça [da vítima] com um porrete. Então, segundoalguns, jogam o corpo despenhadeiro a baixo, pois o templo fica em um despenhadeiro, e suspendem [άνασταυροΰσι] a cabeça”.

O verbo empregado ao falar de como os Taurianos afixavam  cabeças em postes é άνασταυροΰν. Claro que refere-se aqui a uma forma de empalamento de crânios. A medida que vamos lendo o relato, algumas linhas depois surge mais esclarecimento:

Hdt. 4· 103-3- πολεμίους δέ άνδρας, τούς άν χειρώσωνται, ποιεύσι τάδε* άπο-
ταμών έκαστος κεφαλήν άποφέρεται ές τα οικία, έπειτα έπι ξύλου μεγάλου άναπείρας
ίστα υπέρ της οικίης ύπερέχουσαν πολλόν, μάλιστα δέ υπέρ της καπνοδόκης·
Φασι δέ τούτους φυλάκους της οίκίης πάσης ύπεραιωρέεσθαι.

“E quando levam prisioneiros de guerra, eles os tratam da seguinte maneira: Cada um corta a cabeça[do prisioneiro]e as leva embora para sua casa onde as empala em um poste alto  [έπι ξύλου μεγάλου άναπείρας]e as colocam bem acima da casa, acima da chaminé na maioria das vezes. Dizem que estas [cabeças] são colocadas acima como guardas para toda a casa”. 

O interessante no uso de άναπείρειν neste texto é que este é usado como uma explicação de άνασταυροΰν empregado no verso anterior e serve para entendermos que não se refere a “crucificação”como entendem muitos eruditos e seus respectivos léxicos. Não se vê uma aplicação referindo-se a um objeto cruciforme.

Na sequência o texto de Heródoto fala sobre a ocasião em que os Persas derrotam a resistência da coalizão Grega e matam o líder dos espartanos, o Rei Leonidas:

Hdt. 7.238.1. Ξέρξης διεξηε δια των νεκρών και Λεωνίδεω άκηκοώς, οτι
βασιλεύς τε ήν και στρατηγός Λακεδαιμονίων, έκέλευσε άποταμόντας την κεφαλήν
άνασταυρώσαι.

“Xerxes passou pelo [lugar] do morto e ouvindo que  [Leonidas] tinha sido tanto Rei como General dos  Lacedamonios, ele deu ordens para cortar e suspender [άνα-σταυρώσαι] a cabeça de Leonidas”.

No próximo texto onde Heródoto emprega terminologia falando sobre a terceira execução onde se usa terminologia pertinente ao assunto em consideração aqui, temos um relato onde a vítima é pendurada [άνασταυρώσαι] , contudo, sua cabeça enviada para outra parte. O objeto pendurado no relato foi “seu corpo” (σώμα αύτοϋ). Este evento se deu quando os Persas capturaram a cidade Anatolia de Miletus. Neste lemos:

Hdt. 6.30.1. νύν δέ μιν αυτών τε τούτων εϊνεκα, και ίνα μή διαφυγών αύτις
μέγας παρά βασιλέϊ γένηται, Άρταφρένης τε ό Σαρδίων ύπαρχος και ό λαβών
“Αρπαγος, ώς άπίκετο αγόμενος ές Σάρδις, τό μέν αυτού σώμα αυτού άνεσταύρωσαν,
την δέ κεφαλήν ταριχεύσαντες άνήνεικαν παρά βασιλέα Δαρείον ές Σούσα.

“Agora porém, por esta causa (para que o Rei pudesse perdoar-lhe),e a fim de que ele não pudesse fugir e tornar-se poderoso novamente na corte, Artafrenes, Satrapa de Sardes e Harpagus, que tinha capturado  [Histieus], quando[Histieus] foi trazido a Sardes suspendeu [άνεσταύρωσαν] seu corpo ali no local e enviou sua cabeça embalsamada para o Rei Dario em Susâ”.

O texto não revela de que forma Histieus foi pendurado, mas deixa mais do que evidente que fora decapitado antes de ser pendurado ou suspenso.

O que esta cruz de mármore fazia em um templo religioso pagão, em Knossos, 1600 anos antes de Cristo?

CROSS_of_Knossos_1600_BCE_Heraclion_Museum_Greece

knossos

 

Titus Livius Patavinus

64 or 59 A.E.C –  17 E.CTitus_Livius

Livy se refere a diversas punições em seus textos, que caem em duas categorias, a primeira é a furca ou punição de arbor infelix. Segundo Livy, tanto a furca quanto a arbor infelix eram ferramentas de punição nas quais a vítima era amarrada e em alguns casos referentes à arbor infelix, penduradas nela. Também é possível achar em seus escritos indicações de que a punição não era a execução, visto que a cláusula apresenta uma ordem que indica que as vítimas foram posteriormente açoitadas. A segunda categoria era a punição de cruz. Onde a vítima era presa ou suspensa à cruz de alguma forma, porém não se mencionando de que forma isto se dava. Nem é conhecido se a vítima estava viva ou morta, também se desconhece se era ou não uma execução. Livy não oferece muita ajuda a fim de descobrirmos o que realmente era uma crux. No final seus escritos são muito vagos e pouco detalhados em nossa avaliação e estudo da antiga crucificação.

Flavio Josefo em Gerras Judaicas (circa 37 ou 38— 100 E.C)

Ao examinarmos os escritos do antigo historiador Flavio Josefo em Gerras Judaicas, observamos que este empregou diversas vezes o substantivo staurós. De que forma foi este empregado ali? Citando uma carta de Ciro, o historiador menciona as palavras do antigo Rei onde diz:

“E é minha vontade que aqueles que desobedecerem estes mandamentos ou os deixem de lado, sejam pendurados em estacas (anastaurothenai)  e que suas posses se tornem propriedade do Rei”. fonte

“Mas aqueles que transgredirem quaisquer destes mandamentos sejam pendurados numa estaca ( anastaurothênai) e suas posses sejam confiscadas para o tesouro real”. fonte

“Barnabazos o servo de um destes eunucos, que era um judeu de raça, descobriu sua trama e revelou-a a Mordecai, o tio da esposa do Rei, e ele por sua vez por intermédio de Ester expôs a conspiração ao Rei. O Rei alarmado, investigou e descobrindo a verdade pendurou os eunucos em estacas (anestaurosen)…” fonte

“Então Zarasa, sua esposa, lhe falou para cortar uma arvore ( xylon) de[uns] 30 metros e que pela manha pedisse ao Rei ao sair que pendurasse Mordecai em uma estaca”. fonte

Ao ler fontes antigas em grego e latim observei uma quase total ausência de escritos falando sobre o ato de “carregar o patibulum“. Além de Plutarco, outro escritor  de que se tem relato abordando este assunto foi Plautus (c. 254- 184 A.E.C) Abordarei algo mais sobre estes no próximo artigo. Entraremos também na análise de outros escritores da literatura em latim.

 Literatura em Latim

Cornelius Tacitus

Tacitus (ca. 56-depois de 118) um dos mais respeitados Historiadores Romanos. Além de ser bem conhecido por falar de Jesus Cristo, Tácito escreveu diversos textos onde fala sobre muitas formas de punições e execuções, inclusive crucificações. Quando comenta a respeito do costume jurídico dos alemães ele diz:

” distinctio poenarum ex delicto: proditores et transfugas arboribus suspendunt, ignavos et imbelles et corpore infames caeno ac palude, iniecta insuper crate, mergunt“. -Tac. Germ. 12.

“As punições são distintas de acordo com os delitos: traidores e desertores eles suspendem sobre árvores, [arboribus suspendunt];covardes e fracos lutadores e [aqueles com]  vícios degenerativos notórios, lançam no pântano com um peso sobre eles”.

Como em anteriores autores, Tácito não diz nada sobre como eram suspensos seus piores criminosos. É possível que não houvesse uma maneira específica e alguns eram suspensos de uma forma ou de outra em simples troncos de árvores, o que já era suficiente em matéria descritiva. Observe que nada se fala sobre patibulum ou crux, nem empregou Tácito a palavra affigere.

Lúcio Aneu Séneca ( O Ancião)

Também chamado Sêneca (em latim: Lucius Annaeus Seneca; Corduba, ca. 50 B.C.E.-ca. 40 CE.) nasceu de uma família na Espanha. Grande parte de sua vida é desconhecida, mas parece que ele passou boa parte de sua vida em Roma . Não são poucos os que sugerem algumas referências às crucificações nos livros de Seneca. (Sen. Contr. exc. 3.9 ; Contr. 7.4.5 ; Contr. exc. 8.4 . ) Seneca usa o termo  crux em vários textos e  crucifigere, a partir do qual o termo “crucificação” é derivada, é encontrada nos textos de Seneca. Contudo, o termo CRUX originalmente não se referia a um objeto cruciforme. Este é o erro básico de principiantes. O primeiro texto de Sêneca refere-se a situação com a punição de um escravo que se recusou a dar veneno ao seu mestre doente.  Sêneca afirma no prefácio que o mestre em seu testamento havia indicado que os herdeiros deveriam punir o escravo pela ação, mesmo que o escravo agisse sob as ordens de seu Mestre. Seneca chama o método de punição crucifigere.

Sêneca não lança muito luz sobre o método específico de execução. Ele emprega uma terminologia familiar. O mestre esperto ordenou que uma crux deveria ser preparada para o escravo ao mesmo tempo em que seu veneno fosse preparado (tunc huicparari iussit crucem cum sibi venenum). O escravo sofreria na crux (crucem pati) mesmo que ele desse o veneno ao seu mestre. O escravo se viu em um situação sem esperança. Se ele perdesse o caso, ele morreria; se ele ganhasse ele seria entregue novamente  para o mestre que queria pendurá-lo numa  crux .(um quo em crucem petitur).

Sen. Contr. exc. 3.9. ex altera parte lex est, ex altera testamentum, crux
utrimque.

Nestes escritos de Sêneca não se esclarece detalhes sobre a forma de punição. Sêneca emprega apenas a palavra crux e crucifigere sem maiores explicações.

“Os corpos daqueles pregados em uma crux fluem para dentro [de seu] túmulo.

(Sen. Contr. exc. 8.4. .4. suffixorum corpora a crucibus in sepulturam suam defluunt.)

Lucius Annaeus Seneca ( O Jovem)

O termo CRUX originalmente não se referia a um objeto cruciforme. Este é o erro básico de principiantes. E se você estiver falando do filho de Sêneca, o jovem, que também tinha o mesmo nome que seu pai, e afirmar que este fala a respeito “da cruz”, estou certo de que não estudou o assunto. Não há nada em seus textos que identifique claramente a forma do objeto empregado. Apenas que pessoas eram “suspensas” e “executadas”, ou ainda tinham seus corpos “estendidos” sob a crux. Isso não esclarece em nada o formato do objeto empregado. Precisa ler o relato com calma e não tentando provar o que já acredita. Sêneca fala sobre alguém executado em uma crux e com seus membros estendidos na crux. (in cruce membra distendere). Essa frase é interpretada por muitos leitores desatentos como sendo uma prova de que havia realmente o emprego de um objeto cruciforme. Mas não é isso que o texto diz.

Sêneca estava familiarizado com uma grande variedade de formas de castigos, e na verdade ele também estava familiarizado com todo um espectro de várias punições de crux. Isso, pelo menos, é o que um dos textos mais conhecidos de Seneca indica. Seneca fala  de uma cena como um exemplo de sua discussão filosófica a respeito da consolação:

Sen. Dial. 6.20.3.

video istic cruces ne unius quidem generis sed aliter ab aliis fabricatas: capite quidam conversos in terram suspendere, alii per obscena stipitem egerunt,
alii brachia patibulo explicuerunt; video fidiculas, video verbera, et membris singulis
articulis singula nocuerunt machinament

“Eu vejo cruzes lá, não de fato de um único tipo, mas diferentes construções por diferentes [pessoas]. Algumas com [suas vítimas] suspensas de cabeça para baixo, outras espetadas em suas partes íntimas [das vítimas], outras com seus braços estendidos num patibulum. Eu vejo cordas, flagelos, e para cada membro e junta há um método de tortura.”

O interessante neste texto é que se fala de um patibulum, uma viga transversal como sendo um tipo de “crux”. Isso indica que o formato da crux não era convencionalmente uma cruz, tal qual a conhecemos hoje. Havia vários formatos, e todos eram crux, segundo o escritor. Fulda usa o texto como evidência de que os autores antigos entendiam o ato de  empalar como uma forma de crucificação.

O tradutor da edição de Loeb aparentemente ficou intrigado com este texto. Seu método usual de traduzir crux por  “cruz” era insuficiente. Ele então escolheu traduzir o crux neste texto por “instrumento de tortura” e, assim, talvez por acaso, ele chega perto de uma definição de crux que parece ser coerente com o uso apropriado até então estudado no cerne da designação latina. 



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